segunda-feira, 15 de abril de 2013

Para que serve um livro?

Confesso que tive dúvidas sobre este post, o segundo da série "Para que serve". Pensei em chamá-lo "Para que serve a literatura", ou "...a leitura", ou "...aprender a ler", até chegar a este mais "objético". Afinal, estamos falando da utilidade, certo?
Bom, além disso, o objeto livro abre um mundo de possibilidades funcionais. Alguém pode arremessar um livro (de preferência, grande e pesado) durante uma briga, um livro pode servir de peso de porta, enfeitar uma estante, ajudar a causar sensação quando se deseja dar pinta de intelectual...
Também ainda é, mesmo com todas as facilidades tecnológico-internéticas, um "lugar" que reúne as informações necessárias para quem vai prestar um concurso público, um exame vestibular. Ajuda a passar o tempo, instrui; em alguns casos mostra que não estamos sós, que há solução para nossos problemas e até que é possível atingir o sucesso seguindo alguns passos ou fórmulas.
Ainda por cima, pode ser o limiar para um outro mundo.
Outro mundo. Para mim, é para isso que serve um livro: adentrar uma outra dimensão. E assim recriar o real, saber de si, saber do outro. Claro, é difícil pensar que livros para concurso, didáticos, autoajuda e outros instrucionais sejam um passaporte para outra realidade. Mas penso na maioria dos livros que li na minha vida. Penso naqueles que me encantaram lá no início da minha carreira de leitora, aqueles que provavelmente eu leria com estranheza, até um certo pejo, hoje. Daí a importância da sensação trazida pela leitura - pois embora seja uma arte predominantemente intelectual, como desvinculá-la da emoção das descobertas de toda ordem?
Com um livro podemos ir a qualquer lugar, ser quem quisermos, amar e odiar sem sentir culpa. Descobrimos com estupefação que há alguém no mundo capaz de saber e exprimir exatamente o que sentimos, e normalmente com palavras a um só tempo muito elaboradas e precisas como um bisturi. Livros são objetos vivos, que pedem para serem lidos (alguns praticamente saltam das prateleiras!), como as personagens pirandellianas, mas cada um em seu tempo, ou no nosso melhor momento. Longe de nos manipular, o livro precisa de nós, do olhar pessoal que dará forma às suas personagens e paisagens, da nossa imaginação - afinal, sem ela, a história será apenas uma tela em branco num cinema vazio. Uma triste imagem da ausência de imagens.
Aliás, que triste é o mundo sem imagens e sem palavras, que triste é não ver e não poder fazer ver. Por isso é tão angustiante que haja tantos Fabianos para além da ficção. E por isso são tão enternecedoras as histórias de quem supera essa "cegueira" para o livro, a palavra, a leitura. Como, por exemplo, acontece no filme de Jean Becker de 2010, Minhas tardes com Marguerite. Embora haja quem enxergue nesse filme um traço paternalista no pior sentido (a senhora letrada que "ilumina" - e assim domestica - o rude trabalhador), eu identifico nessa história simples o mesmo alumbramento que me tomou quando comecei a ler. Sinto a mesma alegria da personagem de Gisèle Casadesus diante do "iletrado" Gérard Dépardieu quando testemunho a mágica que se opera na minha sobrinha ao desvendar o mistério das palavras repletas de imagens, ou a transformação em um aluno, que tem de repente o rosto todo iluminado: Eu entendo! Eu vejo!
Porque eu também vivi, e vivo, isso na pele. Ler me faz esquecer a forte miopia mais que o uso dos óculos, me faz colocar as limitações em perspectiva. Isso me faz pensar em como, embora o produto livro seja ainda tão caro no Brasil, pode ser democrático o seu papel, uma vez que seja apresentado a alguém! Dê um livro a uma criança, e uma ou outra dica de como "utilizá-lo", se necessário (e quase sempre será, mais por afeto e apoio moral que por outra razão) acompanhe as primeiras leituras, e depois corra para não ser esmagado por um universo em expansão, fenômeno que mais cedo ou mais tarde VAI acontecer.
Não mencionei nem um décimo das ditas consequências livrescas. De qualquer modo, seja para ouvir confissões, aconselhar, seja para teletransportar, fazer enxergar, para o uso que se quiser fazer dele - o fato é que depois de um livro ninguém pode continuar sendo o mesmo. 

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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