domingo, 12 de fevereiro de 2017

Ser ecológico também é cuidar dos próprios sapatos

Por muitos anos, levei meus sapatos ao seu Paixão, sapateiro velha-guarda, que sempre elogiava o estado dos pisantes: "Logo se vê que você cuida bem deles!". Dizia isso porque eu fazia a manutenção dos sapatitos em sua loja com frequência, lustrando, engraxando, trocando solados, mas também porque sabia que tenho sempre à mão algum produto para cuidar deles. Recentemente, descobri uma mousse para hidratar couro, da Mr. Cat; na semana passada, encontrei uma loção de limpeza, da loja Outer. Uma vez, viajando a trabalho com uma amiga, saquei um Nugget incolor para tirar o aspecto empoeirado das sapatilhas com que ia fazer uma entrevista - ela, que havia rido ao ver o produto, logo o pediu emprestado para fazer o mesmo com seus sapatos.
Talvez isso aconteça porque adoro sapatos, como também bolsas e roupas, e costumo cuidar bem de todos eles. Talvez se deva ao espírito nipônico de preservação, de uma memória atávica da falta. Mas também pode ser por um pensamento ecológico de conservar bem para consumir menos - o que pode parecer engraçado para alguém que tem muitos sapatos, e eu procuro ao menos doá-los sempre que ficam encostados muito tempo.
Cada vez mais acho a atitude de cuidar do que se tem um princípio coerente. Cuidar do que tenho, do que conquistei (sapato, livro, casa) me faz lembrar do esforço ou do talento que tive de empreender para conquistar. Ao cuidar, tenho de olhar para aquilo - e me lembro de que não preciso de muito mais que aquilo, que já está lá. Perceber que já tenho o que preciso me faz lembrar de agradecer em vez de sempre ter olhos para o que está distante - nesse sentido, uma falta que causa frustração, e não a ideia de preservar, a que a sabedoria imigrante de que falei há pouco levaria.

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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