sábado, 18 de março de 2017

Crônica ciclística

Saio pra pedalar mais tarde do que gostaria. Já faz bastante calor, e quase desisto. Então me lembro de que desistir significa um dia a menos de pedal, um dia a menos de exercício, de condicionamento e serotonina, e vou. Não com as vestes novas, porque decido fazer um pedal um pouco mais curto, que não carece de tanta tecnologia assim.
Como é sábado, o bairro está tomado por carros, motoristas de finais de semana, muita gente no meio da rua. Vou devagar, até chegar à rodovia. Engato a marcha mais pesada, e sigo concentrada no caminho e nos meus movimentos. Há bastante tráfego na estrada, mas nada que assuste. Cheiro de capim queimado e bicho morto, gente nos esparsos pontos de ônibus, o carrinho de rocambole que um dia ainda vou provar, o pessoal do speed escoltado por algum carro bacanudo, outros ciclistas solitários. Sempre alguém olha com curiosidade para a mulher que pedala sozinha na estrada; quase sempre alguém cumprimenta.
Volta e meia ajeito os tênis nos pedais, e penso que logo comprarei sapatilhas. Isso me faz pensar nos óculos apropriados, em uma bicicleta mais robusta. Fazer o que se gosta também nos leva facilmente ao consumo (e penso também nos utensílios gastronômicos que compõem minhas listas intermináveis para a cozinha). De repente, à minha direita, a vista linda dos coqueiros com o mar ao fundo.
No retorno, percebo que terei de apelar ao CarbUp. Paro e tomo o conteúdo com gosto de qualquer coisa, mas de inegável poder energizador. Mais à frente, ensaio pegar a caramanhola enquanto pedalo; perco um pouco o equilíbrio, mas insisto e consigo - ainda vai ser preciso muito para chegar à destreza necessária.
Para evitar a confusão sabática de carros e pessoas, tomo outro caminho para casa. Atenta aos freios, quase não vejo um carro que entra rapidamente na rua por onde desço. Por sorte, o motorista também reduz quando me vê.
Por mais que sinta minha evolução nos pedais, vejo como cada saída é uma e como não é possível ligar o piloto automático, se distrair ao pedalar. Flutuar sobre rodas exige total concentração. No fundo, como tudo na vida que realmente importa (que eu importo, trago para dentro de mim).

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Cabeceira

  • "Arte moderna", de Giulio Carlo Argan
  • "Geografia da fome", de Josué de Castro
  • "A metamorfose", de Franz Kafka
  • "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez
  • "Orfeu extático na metrópole", de Nicolau Sevcenko
  • "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa
  • "Felicidade clandestina", de Clarice Lispector
  • "O estrangeiro", de Albert Camus
  • "Campo geral", de João Guimarães Rosa
  • "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway
  • "Sagarana", de João Guimarães Rosa
  • "A paixão segundo G.H.", de Clarice Lispector
  • "A outra volta do parafuso", de Henry James
  • "O processo", de Franz Kafka
  • "Esperando Godot", de Samuel Beckett
  • "A sagração da primavera", de Alejo Carpentier
  • "Amphytrion", de Ignácio Padilla

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